Esqueceram de nós: em “Os Rejeitados”, um Natal à antiga, na forma e no conteúdo

Por: Salomão de Castro

O cinema tem uma tradição longeva na apresentação de obras com temática natalina. O cineasta estadunidense Alexander Payne, de ascendência grega, traz sua contribuição ao gênero com “Os Rejeitados” (no original, “The Holdovers” – os remanescentes), que estreia em todo o Brasil e nos cinemas de Fortaleza nesta quinta-feira (11 de janeiro). Trata-se de um filme saudosista, em duas dimensões: forma e conteúdo.

Na forma, por priorizar uma estética que, em todos os seus elementos (notadamente fotografia, montagem e trilha sonora), remete a alguns dos melhores filmes estadunidenses da década de 1970 (não há acaso nesta construção – a trama se passa entre os últimos dias de 1970 e os primeiros de 1971).

No conteúdo, por priorizar uma narrativa intimista, como é comum à filmografia de Payne – responsável, dentre outros, por “As Confissões de Schmidt” (2002), “Os Descendentes” (2011) e “Nebraska” (2013).

Sobre a trama

Nos dias que antecedem ao período natalino de 1970, o professor Paul Hunham (Paul Giamatti, que repete a parceria feita com o cineasta em “Sideways – Entre umas e outras”, de 2004) recebe a incumbência de manter sob sua guarda estudantes pré-universitários que não poderão regressar às residências no período de festas de fim de ano, devido a reprovações. Entre estes, Angus (o estreante Dominic Sessa), que assume naturalmente protagonismo entre os remanescentes da Barton Academy, palco do longa-metragem.

Da trama inicial, que sugere o desenrolar de um confronto entre professor irascível e alunos rebeldes, surge um desenvolvimento que enxuga os estudantes da escola gradualmente, à medida que o Natal se aproxima. Nesse Big Brother retrô, não há prêmio previsto no final. Assim, o antagonismo entre professor e estudante vai se estabelecendo, mas cede espaço para a compreensão e aceitação mútuas.

Uma terceira base sustenta “Os Rejeitados”: Mary (Da’Vine Joy Randolph, de “Meu nome é Dolemite”), a cozinheira-chefe da escola, que lida com uma recente perda familiar ao mesmo tempo em que se vê como juíza involuntária do conflito entre docente e discente.

Trio protagonista é destaque

Filme de Alexander Payne tem no elenco um dos seus pontos altos

Antecipar mais sobre a trama seria entregar muito da satisfação de se conferir o filme. Mas é válido registrar que “Os Rejeitados” tem três momentos distintos, antes da resolução, e que o trio protagonista sustenta todos eles com grande competência. O roteiro de David Hemingson oscila entre o cômico e o dramático conforme é necessário à trama, mas certamente não fluiria bem sem atores com desempenhos como os que Giamatti, Sessa e Da´Vine entregam.

Se há um paralelo possível com outro filme natalino, ele é involuntário. É possível lembrar de “Esqueceram de Mim” (1990), o clássico que a geração acima dos 40 anos conhece bem. Naquele filme, o garoto vivido por Macaulay Culkin se via perdido, quando a família viajava para passar o Natal fora, deixando-o inadvertidamente na residência. À sua maneira, Paul, Angus e Mary foram também esquecidos (sem que haja uma família ansiosa por reencontrá-los).

Também o cineasta remete a outro esquecimento: o de um cinema voltado mais para o intimismo e menos para a grandiloquência. Certamente não é por acaso que o filme se encerre quando a década de 1970 estava por surgir – e por ter sido nela que surgiu uma revolução conduzida nos Estados Unidos por cineastas do porte de Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, George Lucas e Brian De Palma, dentre outros. “É possível que surja uma nova revolução como aquela?”, nos indagamos ao fim de “Os Rejeitados”.

Em suma, um filme necessário e coerente, no qual cineasta e seus personagens parecem nos dizer: esqueceram de nós.

“Os Rejeitados” conquistou dois prêmios no Globo de Ouro 2024: melhor ator/comédia ou musical (Paul Giamatti) e melhor atriz coadjuvante (Da’Vine Joy Randolph). Nesta quarta-feira (10 de janeiro), o Sindicato dos Atores (SAG) anunciou que Giamatti e Da´Vine concorrem aos prêmios de melhor ator e atriz coadjuvante. O filme tem oito indicações ao Critics Choice Awards, incluindo melhor filme, direção, ator (Giamatti), atriz coadjuvante (Da’Vine), jovem ator (Sessa) e roteiro original. É considerado um dos mais fortes pré-candidatos ao Oscar, cujas indicações serão conhecidas no dia 23 de janeiro.

Serviço: “Os Rejeitados” (The Holdovers, Estados Unidos, 2023). Direção: Alexander Payne. Roteiro: David Hemingson. Elenco: Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da’Vine Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner. Duração: 2h13min. Estreia nos cinemas nesta quinta-feira (11 de janeiro). Em Fortaleza, no Cinema do Dragão, Cinépolis RioMar e UCI Kinoplex Iguatemi.